segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Prefácio

Não conheci Niomar. Ela não quis.
Paris era a última cidade em que eu ficaria antes de embarcar de volta para o Rio depois de dois meses de mochileira na Europa. Ali, teria uma semana para conhecer a cidade e encontrar o meu namorado que tinha ido acompanhando a avó. Encontrei em Paris a primavera e os preparativos para o centenário da Revolução Francesa, mas não Niomar. Uma doença, mais inventada do que outra coisa, foi o motivo para não receber, em sua casa, a namorada do neto.
Eu tinha curiosidade.  No Rio, sempre tinha faltado oportunidade. Mauro a resguardava. Não sei se ele sabe ao certo de que.  A história sobre a forma que Niomar tratara sua mãe quando se conheceram fazia parte do folclore sobre o fracasso do relacionamento entre seu pai e sua avó.  Preservar o relacionamento com a difícil  Niomar, provavelmente, passava por evitar situações nas quais pudesse se magoar com ela.
Mas as histórias sobre Niomar, sobre seus quadros, suas esculturas, seu jornal e seus incêndios instigavam demais minha curiosidade. Mais do que conhecer a avó do meu namorado, eu queria conhecer um personagem marcante do século XX em nosso país. E mulher. Mas acima de tudo, queria ver o apartamento de Paris, com a única coleção de obras montada por ela que ainda permanecia intacta - depois dos incendios do MAM e de seu apartamento no Rio. As histórias de várias obras eu já conhecia, e pelo ponto de vista de um neto fiel e admirado. Faltava ver, cheirar e intuir cenário e personagem com os meus próprios sentidos.
Faltou.
Por conta de desencontros da vida, acabei nem prestando atenção à sua morte em 2003, após uma luta perdida contra o Alzheimer.
Recentemente, com a amizade com Mauro devidamente restaurada, voltei a pensar nela. Impossível conviver com ele e não pensar nela. Ele aponta uma escultura que fica na mesa ao lado do sofá e diz que sobreviveu ao incêndio da Rui Barbosa e que, por isso, o bronze está ainda tão escuro.  O acrílico próximo ao chão tem as fotos dos presos políticos que foram trocados pelo embaixador norte-americano.
Mauro relata, nas obras que herdou da avó, trechos da história recente de nosso país. Uma história, na qual sua avó, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, não foi uma simples figurante.
Contraditóriamente, pouco se fala sobre ela. Uma pesquisa no Google vem com muito pouca informação. Um livro sobre Calder tem apenas algumas notas, o que não faz jus a sua importância à frente do MAM e com o fato de até hoje estar no apartamento de Paris um guache de Calder para Niomar, inspirado no relato que ela lhe fizera de se sentir num circo cercada de palhaços, referindo-se ao Governo Militar depois do AI-5.
Niomar permanece esquecida na história de nosso país. Curioso é que também ela esqueceu. A doença que consumiu seu cérebro nos últimos anos de sua vida tem a característica de apagar memórias recentes. Os grupos que governaram nosso país desde 1964 fizeram o mesmo com nossa história. Restaurar a memória recente do Brasil é possível e inseparavel de recolocar Niomar no lugar que realmente ocupou nesta história.

C. G.
21/08/2012

5 comentários:

  1. Uau... que interessante. Nunca ouvi falar na "personagem", mas adora a história recente do nosso país. Bj e boa sorte no novo blog.

    ResponderExcluir
  2. A pior falta de memória é dos que não sofrem de Alzheimer! Achei digno teu post e teu novo projeto. Sucesso, amore e conte sempre comigo! Aqui, no Face e claro, na vida! Beijos! Amo-te!

    ResponderExcluir
  3. Então vamos ver Cloud Atlas juntos... quetalz??? Hahahaha! Bjos!

    ResponderExcluir
  4. Cheguei aqui por acaso, ao completo e confesso que estou emocionada. Sou bisneta de Paulo Bittencourt, grande fa de dona Niomar.
    Belo trabalho :-)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Silvye, o projeto está parado por falta de pernas, braços e cabeças, infelizmente. Tanto que só vi teu comentário agora. Espero que possamos, em breve, retomá-lo. Vamos manter contato. Abs, Chris.

      Excluir