segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Biografia de Niomar por Flávia Bessone - IV


Diante do fato consumado, a ala feminina da família dividiu-se. As mais velhas puseram-se em bloco contra Niomar. Já as irmãs, inclusive a mais velha, Ofélia, a apoiaram, com exceção de Sônia. A questão, porém, é que as duas nunca haviam tido boas relações. Antônio conta um episódio que é ao mesmo tempo esclarecedor da relação entre as irmãs e da passionalidade que faria com que, ao longo da vida, Niomar colecionasse desafetos.

“Sônia tinha uma filha, a Regina, seis anos mais velha que eu e, às vezes, me batia. Um dia, a Niomar soube, ficou danada e deu uma surra nela. (Risos). Sônia foi tomar satisfações e as duas brigaram, romperam relações. A verdade é que Niomar sempre foi uma pessoa realmente um tanto difícil de se conviver. Era uma mulher fascinante, sob vários aspectos, mas a convivência com ela era exaustiva, porque ela exigia muito. Com ela, era preciso ficar permanentemente alerta, porque se ela discordasse de qualquer coisa que a gente dizia, vinha uma discussão, uma briga. Foi assim a vida toda.”[1]

Dos oito aos quatorze anos, Antônio visitou regularmente a mãe, já vivendo com Paulo Bittencourt, primeiro num apartamento na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, depois na Avenida Atlântica. Um incidente um tanto tolo, exemplo acabado da dificuldade de comunicação entre mãe e filho, interrompeu, em meados da década de 50, a relação, que só seria retomada anos depois. Tendo sofrido uma queda sem gravidade, Niomar se submetera a um desastrado tratamento com raios infravermelhos que resultou em queimaduras. Durante a convalescença, Antônio foi visitá-la, como de costume, mas o mordomo, funcionário novo na casa, não o reconheceu e impediu sua entrada, alegando que a dona da casa estava doente.

“Então, eu achei que ela não queria me receber. Virei as costas e não falei mais com ela. Ela aí também deve ter achado que eu não queria vê-la e pronto. Até o momento em que o mal entendido se superou, mas só se superou quando eu já estava noivo, praticamente às vésperas do meu casamento.”[2]

Ao longo da vida, a relação entre Antônio e Niomar foi feita de sucessivos encontros e desencontros. Ingressou a seu convite no jornal do padrasto como vice-presidente em 1961, com a missão expressa de modernizar sua gestão. Bem de acordo com seu temperamento, Niomar queria modificar tudo rápida e radicalmente; Antônio, que trabalhara com o pai em A Vanguarda, advogava a cautela. Em princípio de 1963, após um desentendimento, ela exigiu que Paulo o demitisse. Antônio voltou ao Correio dois anos depois, como chefe administrativo da redação do jornal que, àquela altura, já se encontrava sob propriedade e direção de Niomar. As divergências, no entanto, recomeçaram. Antônio afirma que, enquanto ele defendia a condução do Correio como empresa, Niomar privilegiava sempre o conteúdo jornalístico em detrimento de razões econômicas. Pouco mais de um ano depois, a convivência tornou-se insuportável novamente e Antônio deixou o Correio. Só retornou em 1969 quando, premida por motivos políticos e econômicos, Niomar arrendou o jornal. Lá, ficou até o fim, defendendo os interesses da mãe – mas já sem tê-la por perto.
Em 1942, tão logo a situação legal se definiu, Niomar e Paulo foram viver juntos. Niomar, assim, unia-se ao proprietário de um prestigioso jornal carioca, cuja bravura pessoal, aliada a um corpo de colaboradores composto por estrelas de primeira grandeza, fazia tremer adversários. Através da união com o dono do Correio da Manhã, Niomar ingressou em uma esfera social diferente da sua de origem. Sofisticado cidadão do mundo, Paulo, que sempre passara longas temporadas no exterior, apresentou à jovem esposa os prazeres de viajar. Em 1941, Niomar partiu para aquela que seria a primeira de uma longa série de viagens internacionais com destino aos Estados Unidos, onde se encantou com a riqueza e variedade dos acervos dos museus dedicados à arte moderna. Pela primeira vez pode ver obras que só conhecia por meio de reproduções. Mondrian, Klee, Albérs, Santomaso, Max Bill, Lassaw, entre outros, substituíram em sua predileção os impressionistas que a haviam encantado na adolescência. Nos vinte anos em que estiveram casados, Paulo e Niomar viajaram com freqüência, juntos ou separadamente, para grandes cidades norte-americanas ou capitais européias. Niomar começou a compor uma coleção de arte privilegiada, formada por peças adquiridas no Brasil e exterior. Foi numa viagem aos Estados Unidos que Paulo apresentou-lhe Nelson Rockefeller, milionário e grande mecenas americano, na ocasião presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York, do qual fora fundador. Segundo consta, foi ele quem, naquele momento, sugeriu a Niomar a criação de uma instituição congênere no Rio de Janeiro – um projeto que a absorveria por toda a década de 50, cujos detalhes serão examinados no terceiro capítulo desta dissertação.
Em função da atuação de Paulo à frente do Correio e, principalmente, da sua ação como embaixadora do projeto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro no Brasil e exterior a partir de 1950, a vida social de Niomar tornou-se muitíssimo movimentada.[3] Reuniu em torno de si um círculo de relações com membros da alta sociedade nacional e internacional. Políticos, artistas brasileiros e estrangeiros, embaixadores e suas esposas freqüentavam suas grandiosas e concorridas recepções. No exterior, tornou-se objeto de homenagens quando seus esforços no sentido de levantar fundos para a construção do museu começaram a frutificar. Ao longo da vida, foi condecorada dezenas de vezes. Uma lista de convidados garimpada nos arquivos do Centro de Documentação do MAM, atribuída a um cocktail party oferecido por Marcos Romero a Niomar em Nova York, no mês de dezembro de 1956, exibe personalidades como o pintor Salvador Dali; os artistas plásticos norte-americanos  M. Rothko, I. Lassaw e F. Kline; o diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York, René d’Harnoncourt, entre outros.
Sua aparência transformou-se, ganhou em elegância e sofisticação. Passou a vestir-se nos mais famosos costureiros da Europa. Em 1959, o casal mudou-se para um apartamento de mil e seiscentos metros quadrados – na realidade, duas unidades de oitocentos metros quadrados cada – localizado no número trezentos e noventa e quatro da Avenida Rui Barbosa, Flamengo. A decoração foi encomendada ao festejado arquiteto Sérgio Bernardes, que criou peças decorativas exclusivas para o local e um conjunto de estantes e gaveteiros em madeira especialmente desenhados para acomodar a então já extensa coleção de arte de sua proprietária. O andar de cima foi convertido em um imenso salão de festas, com uma deslumbrante vista para a Enseada do Flamengo.







[1]Entrevista com Antônio Moniz Sodré Neto (19/06/2000).
[2]Id. Ibidem.
[3]Sobre o MAM ver PARADA, Maurício B. A. A fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro : a elite carioca e as imagens da modernidade no Brasil dos anos 50. Rio de Janeiro: PUC-RJ, dissertação de mestrado - Orientador: Cesar Guimarães, 1993.
(continua)

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